quinta-feira, 3 de julho de 2008

UM NOVO VELHO BRASIL







Nos últimos anos, o setor agroindustrial tem sido a salvação da lavoura para o Brasil. Os preços dos alimentos estão nas alturas em todo o mundo e o país, como grande produtor, tem se beneficiado muito dessa tendência.
A situação das contas externas brasileiras (que voltou ao vermelho) só não é pior hoje por conta desse boom do agronegócio. Como se diz, as exportações do setor estão "bombando".
Há duas semanas, visitei com o amigo e colega da Folha Mauro Zafalon, especialista na área, um dos locais onde o agronegócio mais cresce no Brasil: a região oeste da Bahia, onde Barreiras (130 mil habitantes) e Luís Eduardo Magalhães, ou LEM (40 mil), são as duas principais cidades.
O que ocorre ali é impressionante sob qualquer parâmetro e aspecto. Investimentos da ordem de R$ 1,5 bilhão estão sendo dirigidos à região de forma sistemática. Não apenas de grupos nacionais, com predominância de gente vinda do Sul, como de investidores estrangeiros que compram enormes propriedades para produzir soja, milho e algodão, entre outras culturas. Os gringos já dominam 20% da lavoura local.
Cerca de 2.500 caminhões atravessam diariamente o centro de Barreiras, que possui 130 mil habitantes, na época da safra
As culturas na região são normalmente irrigadas por mecanismos que custam, cada um, R$ 400 mil e que cobrem um perímetro de 3,6 km. Vistos do céu, formam algo impressionante, assim como a riqueza que é gerada no chão por (e para) esses empresários.
Em LEM, já há condomínios fechados com campos de golf, pistas de kart e casas na faixa dos milhões. Em pistas de pouso de terra batida, produtores rurais "estacionam" seus pequenos aviões com a mesma naturalidade com que nós encostamos nossos carros nas calçadas.
Mas, como tudo no Brasil, as coisas parecem muito distorcidas nesse mundo progressista do agronegócio.
Tome-se o caso de Barreiras, no centro desse boom. É uma cidade com 130 mil habitantes onde menos de 12% da população trabalha no agronegócio. A cidade vive basicamente de dinheiro transferido por Estado e União e menos de 20% das casas têm coleta de esgoto.
Áreas com plantações irrigadas na região de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães (ou LEM); cada mecanismo custa R$ 400 mil
Há bairros paupérrimos e 85% dos proprietários de imóveis não pagam IPTU. Além disso, inexiste um sistema de georeferenciamento para apurar qualquer fato gerador de impostos no agronegócio. Resultado: a prefeitura deve R$ 80 milhões e não tem dinheiro para nada.
Como diz o prefeito de Barreiras, Saulo Pedrosa, "o desemprego é muito grande. A gente aqui fica só olhando, de braços cruzados, as carretas e o progresso passarem pela BR".
Barreiras é cortada ao meio pela BR-242. É um inferno diário, já que passam pela estrada cerca de 2.500 carretas (muitas de até nove eixos) durante a safra. A prefeitura tem planos para construir um anel viário e desafogar o centro. Mas, apesar de toda a riqueza do agronegócio que congestiona a cidade, não há dinheiro para a obra.
Já na progressista e vizinha LEM, orgulho de muita gente na região, a situação não é muito diferente. Menor e mais rica, a cidade também é cortada ao meio por uma BR, a 020. À noite, há centenas de caminhões parados em postos de gasolina bem no meio da cidade, com várias prostitutas circulando e oferecendo seus serviços.
Apesar de toda a riqueza e de algumas casas e condomínios caríssimos, a violência grassa em alguns bairros, como no Jardim das Acácias, onde os moradores (1/4 da população da cidade) são obrigados a contratar seguranças privados para não serem assaltados.
O prefeito de LEM, Oziel Oliveira, diz que investe no policiamento e que os problemas resultam do progresso. Pode ser. Oliveira é fazendeiro e empresário.
Pretende fazer seu sucessor na eleição desse ano em LEM e almeja também eleger sua mulher, a deputada federal Jusmari de Oliveira (PR-BA), como prefeita na vizinha Barreiras. Oliveira se define como "de direita" e afirma que sua prioridade é pavimentar um caminho sem obstáculos para o bom andamento dos negócios.
O agronegócio de Barreiras, LEM e região é impressionante e gera riqueza e alimentos indispensáveis. E é bom que seja assim. Mas é triste constatar que mesmo diante de um novo patamar econômico e em uma nova região, o desenvolvimento do Brasil continue a se dar de modo tão anacrônico.
Fernando Canzian, 40, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006.


Esse é o retrato da minha cidade...